2004/09/28

Como tornar-se um pseudo-intelectual em 12 lições

Numa tentativa de afectar este berlogue ao serviço público, aqui vão algumas dicas para quem se quiser tornar num Pseudo-Intelectual (PI, não confundir com PDI, o maior factor causador de várias doenças, segundo a OMS...)
  1. Comece todas as frases com uma citação de um filósofo, de preferência com um nome alemão, o mais obscuro possível...
  2. Se não souber o nome de nenhum filósofo alemão obscuro, sugerimos que procure saber o nome de um qualquer jogador de futebol da 3ª divisão austríaca, e lhe atribua uma frase da sua autoria. Com alguma sorte, o seu interlocutor não se dará ao trabalho de confirmar...
  3. Oiça rádios como a Antena 2, e, dentro desta, o maior número possível de programas sem música. Ahh, e já agora, compre bilhete para a temporada inteira no Teatro Nacional de São Carlos, nem que seja para dormir durante a ópera. (Não se esqueça de despertar no intervalo, para criticar a ópera, com qualquer pessoa que apanhe à frente...)
  4. Leia a contracapa de todos os livros que vir na livraria mais próxima, e critique-os junto dos amigos, com cara de quem os leu na íntegra.
  5. Vá ao dicionário (ou à enciclopédia) e procure as cem palavras com maior número de sílabas que conseguir encontrar. Empregue-as avidamente.
  6. Se não quiser ter o trabalho de memorizar as cem palavras, utilize o máximo possível de estrangeirismos para contrabalançar este facto. Dão-se para este efeito preferência a alocuções latinas e a expressões o mais germânicas possíveis.
  7. Utilize o máximo possível de palavras terminadas em -ismo... mesmo que não signifiquem coisa nenhuma.
  8. Veja filmes do Manoel de Oliveira, e delicie-se com a dinâmica dos planos. Utilize para os comentar expressões como "é o metapsiquismo do transexistencialismo crónico, na observância das condições sine qua non para a hermenêutica da propedêutica"
  9. Fale pouco em muitas palavras. Não diga, por exemplo, "Vou beber água." Fica muito melhor a um pseudointelectual dizer "Vou repôr o balanço hídrico". Ainda melhor, poderá dizer: "Vou fazer como a Frieda, o personagem do livro de Von Klinkerhoffen "As Virgens do Lago", na cena em que ela fala com a menina do chapéu com girassóis... (Nota: como ninguém sabe quem é o Von Klinkerhoffen... - nem o autor deste texto! - , imagine quando brilhar ao dizer que esta verborreia toda significa que vai beber água...)
  10. Comente os telejornais. No café, ao jantar, em todas as ocasiões possíveis e imaginárias.
  11. Fale de tudo sem dizer coisa nenhuma, com o ar de quem é o maior perito do mundo no assunto sobre o qual falou.
  12. Regra de ouro: Critique, critique, critique... Lembre-se de um ditado muito utilizado entre os músicos: Quem aprende música e sabe tocar, vai para músico. Quem não sabe, vai para crítico...

E pronto, acabou o serviço público por hoje... Brevemente, teremos um post sobre como falare como deve de ser, sem dare herros hortugárficos...

2004/09/26

Ainda sobre tranquilidade... (ou a lamechice continua...)

Nem por acaso, no dia a seguir a escrever o post anterior, um maestro veio lá ao serviço falar sobre um projecto de música em hospitais.
O projecto é muito simples... Consiste na interacção, por parte de um músico treinado para tal, com crianças doentes, apenas com música, estimulando a criatividade e a comunicação por parte das mesmas.
Foi assim que me lembrei daquilo que sinto quando oiço ou quando toco um qualquer instrumento (nem que seja ferrinhos).
Para mim, a Música serve para exprimir aquilo que não se consegue exprimir por palavras... Mais do que sentimentos, mais do que emoções...
Consegue fazer a magia de aproximar povos e culturas, de unir um grupo de pessoas em torno de um mesmo fim (nem que seja uns milhões de pessoas em torno de "11 homens em cuecas que correm atrás de uma bola para ganhar a vida"), de unir uma humanidade inteira...
Em mim, como já se viu, a música tem um efeito completamente terapêutico...
Recordo, neste momento, que o meu piano foi, em tempos, o meu melhor amigo... o único ser a quem eu podia contar algo, e que não fazia juizos de valor sobre o que eu lhe contava...
Naquela altura, eu estava bastante mais desprotegido quanto aos juízos de valor feitos por outrém...
Neste momento, importo-me menos com esses juízos de valor. Não, ainda não atingi a perfeição nesse ponto, que é não me importar absolutamente nada com o que os outros possam pensar... No entanto, gostava de a atingir... (Isto é que é falar à José Mourinho...)

A perfeição... Porque é que temos de ser perfeitos?

Aqui, neste nosso cantinho que é o Ocidente, temos de ser os melhores em tudo, e começa logo desde que somos crianças: o aluno ideal, e depois o profissional ideal, o membro-do-grupo-seja-ele-qual-for-em-que-nos-inserimos ideal, o amigo ideal, o marido ideal, o amante ideal, o pai ideal, o homem do "social"...
Será que não nos contentamos em ser nós próprios? Será que a sociedade não se contenta em que nós sejamos nós próprios?
Ficou-me na cabeça uma frase de um filme que vi hoje: ("[No Tibete] nós honramos muito mais o homem que perde o seu ego, do que o que tem muito dinheiro, ou muitas honrarias" - Sete anos no Tibete)
Aqui e agora, tenho de dar a mão à palmatória, pôr a mão na consciência, e fazer um mea culpa pelas vezes em que exigi demais a mim próprio e, sobretudo aos outros... Os visados/as que me perdoem... mas sabem qual é o problema? É que eu reconheço isto tudo, mas depois, por mais que tente, não consigo aplicar...
Ok, acho que já falei muito hoje... (Isto é lamechice demais... qualquer dia vendo os direitos ao Moita Flores e ele escreve uma telenovela...)

2004/09/19

Tranquilidade?!

Eu vou admitir: hoje estou um bocado lamechas...
Ando num stress enorme devido à vida profissional (de resto, neste momento não tenho mais nada que me perturbe de forma aguda - tenho um stress crónico que é a situação do meu pai... aliás, nunca estive tão defensivo como agora em relação a isso...) mas a vida profissional é que está mesmo uma indefinição...

Só que neste momento, estou a sentir uma estranha tranquilidade. Estou a fazer "musicoterapia". Oiço neste instante um violoncelista chamado Yo-Yo Ma, a interpretar um preludio da suite nº 1 para violoncelo de Bach.
Devo dizer que o violoncelo é um dos meus instrumentos preferidos.... Se pudesse tocar um instrumento de cordas era esse mesmo que escolhia. A solo, consegue fazer vibrar uma sala inteira, mesmo sendo difícil desta maneira tocar notas harmónicas...

Quanto ao compositor, já ouvi dizer muita coisa deste homem, que teve uma vasta produtividade, não só musical.
(Teve 20 filhos!... Provavelmente o custo relativo de vida não era tão alto como agora... ou então devia pôr muito picante na comida, ou talvez tivesse, como bom alemão, um método rigoroso para... enfim!!! Sem comentários...)

Também já ouvi dizer, quanto à música, que Bach é o compositor preferido dos intelectuais virgens... Eu não sei, neste caso, o que se entende por intelectual e por virgem... e se o termo se aplica à minha pessoa, mas é para Bach que estou virado hoje...

E estou tranquilo... estranhamente tranquilo... como se não houvesse tempo nem espaço, como se o amanhã e o ontem se diluissem, como se só houvesse este momento...

Xiii, pareço um escritor de romances baratos a descrever um beijo... "E João e Amélia amaram-se, como se fosse a primeira e a última vez, como se não houvesse amanhã nem ontem nem sequer hoje, como se fossem almas intemporais, como se... (ok, vocês perceberam a ideia...)"

(E será que há amanhã?!) Uiii... Filosofia a esta hora da noite é que não dá...

PS - Li num excelente jornal nonsense que há por aí, o Inépcia, que a maior parte dos berlogues não tem nada de interessante, a não ser para as pessoas que conhecem a pessoa que publica o blog.
Se estes posts são interessantes ou não... acho que não posso comentar... São os meus pensamentos... Escrevo mais para mim próprio do que para os outros... (É a hermenêutica da propedêutica... parte 2 :P) Mas admito... a maior parte disto é "palha", mas põem-me bem disposto.

2004/09/01

Aquele filme... (ou talvez o dia em que eu descobri que não sou um pós-adolescente)

Mais uma confissão...

...e antes disso, um aparte: começo a pensar seriamente que este berlogue devia chamar-se confissões de pós-adolescente... Acho que não o conseguiria ver representado por actores pós-adolescentes de 30 e tal anos (se os "adolescentes" actuais têm vinte e muitos...), de lábios cerrados e a dizer "ya, man, tá-se bem, sou bué baldas, tás a ver?" - porque o estereótipo que se faz da minha geração ainda fala assim...
... se bem que eu também não seja exactamente um pós-adolescente... mas a definição de pós adolescente também pode ir desde a idade em que supostamente começamos a ter "juízo"...
... er....
...er... pronto, ok... eu não sou um pós-adolescente...

Vamos à confissão, então?!

A confissão é a seguinte... Esperava que aquele filme fosse um pouco para intelectual... tal como este berlogue... e os Morangos com Açucar, claro...

De facto, à primeira vista, as minhas suspeitas confirmaram-se... Vi uma vasta multidão de 6 pessoas na sala, algumas sozinhas, outras acompanhadas; algumas com ar de irem comentar a seguir, enquanto puxam do cachimbo... "Pois, isto é a Hermenêutica da Propedêutica..."; outras com ar de quem vai, logo a seguir, para uma manifestação de legalização seja lá daquilo que for... A sala parecia ressuscitada dos anos 80, do tempo em que Kilas era de facto o mau da fita, que aterrorizava toda a gente incluindo uma tal de Rita, que adorava pôr-se em guarda (seja lá o que isso fosse...)

... Mas as minhas primeiras suspeitas, tal como muitas suspeitas infundadas, estavam erradas. De facto, assisti a um filme assombroso. Visionei uma metáfora da vida humana, que tinha como título Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera.
Falava da história de um homem, que no caso era um monge budista, mas podia ser outro homem qualquer... Católico, Protestante, Islamista, Hindu, ou de qualquer religião... Falava do Amor, do condicional e do incondicional, de paixão, luxúria, de morte e de Vida, falava de uma caminhada (porque o mais importante não é o chegar ao cume, mas o caminho)...

Ensinou-me (recordou-me?) várias coisas:

Ensinou-me (recordou-me) que para quando amamos alguém, precisamos de a saber deixar no momento certo, porque de quem nós gostamos pode haver também quem goste...

Ensinou-me (recordou-me) que por mais tortuoso que seja o caminho, há oportunidades algures para tomar o caminho certo, desde que tenhamos a coragem de deixar de nos enganar a nós próprios e de fazer o possível por corrigir os nossos erros o mais depressa possível...

Ensinou-me (recordou-me) que por mais chuvoso e escuro que seja o Inverno, por mais pesada que seja o peso que carreguemos no nosso coração, há sempre uma Primavera, onde nos sentiremos outra vez leves, outra vez livres...

... porque na vida há uma Primavera, um Verão, um Outono, um Inverno, e novamente uma Primavera.

(E digam lá que isto não foi pseudo-intelectual?!?!?! Daqui a pouco estou a dar umas fumaças no belo do cachimbo... É a Hermenêutica da Propedêutica!!)