2004/12/26

Reflexões madrugadoras sobre o sentido da vida

São 7 da manhã, acordei com uma neura descomunal e apetece-me escrever...

Há uma pequena linha que separa a sanidade da loucura, a ordem da desordem, o concerto do desconcerto, o saber da ignorância, a arrogância da simplicidade, o amor do ódio, o desespero da esperança...
Há uma pequena linha invisível que separa a Vida da Morte, o Ser do Não-Ser...
Porque é que o Universo em que vivemos é feito de realidades tão dispares e, ao mesmo tempo, tão próximas?

Porque é que o Mundo é complicado, a começar pelo nosso nascimento?
O útero materno parece ser um lugar tão confortável! Que mundo é este em que, se nascermos da forma mais natural possível, nascemos a ouvir um enfermeiro a dizer à nossa mãe: "Faça cocó duro"... Somos defecados?!
E, depois, não admira que choremos... Choramos, como diria Shakespeare, porque chegámos a este universo de loucos... Choramos porque a nossa pequena paz, a nossa pequena tranquilidade, estará abalada para sempre...
E o que nos fazem? Picam-nos, irritam-nos, logo à partida... Depois, as visitas chatas a qualquer hora do dia, a dizer-nos, numa voz o mais aguda possível: "Ai, que parecido que ele é com o bisavô Segismundo... Que faleceu há quarenta anos debaixo de um tractor..." (E depois, vá de chorar por causa da morte do bisavô Segismundo...)

Depois, a educação, o sermos comparados logo desde o nascimento com os outros... muitas vezes baseados em factos que não têm cabimento... ("Ai, o meu Adérito tem um nariz maior que o teu Armindo... Por isso deve ser mais inteligente") Depois da comparação, a competição, que é transmitida, como valor importante que é, às crianças... ("Filho, tens de estudar para seres alguém na vida...")

Depois é que aquilo a que chamamos vida, este pequeno jogo quotidiano pelo qual passamos todos os dias, é tão complicada? Porque é que a levamos tão a sério?! Porque é que somos tão competitivos? Tão agarrados às mais pequenas realidades, a começar pelo dinheiro... (Não estou a dizer que não seja bom ter-se dinheiro... Não quero cair nesse lugar-comum, nessa hipocrisia...)
E, acreditem, ao falar na 1ª pessoa do plural, estou a dar a mão à palmatória, e a incluir-me a mim próprio...

E depois, a atitude face à morte... Se passamos parte da vida a lamentar-nos, porque é que choramos quando alguém morre? (Ou porque é que é socialmente correcto fazê-lo?) Será porque sentimos a falta dessa pessoa? Será que pensamos verdadeiramente na pessoa que morre? (Não estou aqui a fazer a apologia da eutanásia...)
(Quem me conhece sabe que eu estou, neste momento, a fazer um luto importante relativamente a um familiar muito próximo, ou talvez este luto se tenha vindo a consubstanciar ao longo de alguns anos...)
Porque é que evitamos falar da morte? Porque é que a minha mãe se arrepia de cada vez que eu digo, meio a brincar, meio a sério: "aprende comigo, que eu não duro para sempre"? (e isso não é necessariamente a tradução de uma crise suicidária aguda...)

Longe de mim vir para aqui dar lições de moral... Até porque tudo aquilo de que falo neste berlogue , falo por vezes contra mim... Mas hoje, acordei com estas dúvidas a toldarem-me o espírito. Acordei oprimido, sufocado... e decidi deixar fluir as palavras, ainda que obnubilado pelas poucas horas de sono...

São 8 da manhã... O sol está a nascer,a neura já passou em parte, e acho que vou dormir aquilo que não dormi...
As restantes dúvidas existenciais ficam "para outras núpcias"...

PS - Durante este post, lembrei-me deste fantástico filme dos Monty Python! A não perder, para os menos conservadores do ponto de vista religioso e para quem gosta de comédia nonsense.

2004/12/20

Sobre o Natal...

Hoje apeteceu-me falar sobre o Natal...

Apeteceu-me falar sobre essa época.
Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os pássaros chilreiam... nas gaiolas dos habitats dos seres humanos (isto para quem tem pássaros em casa, e não tenha gatos com acesso fácil às gaiolas);

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que a EDP contribui para revitalizar o tecido económico nacional - o nosso e o da Arábia Saudita, porque a conta sobe monstruosamente (bendito seja o santo aquecedor) e em que os negociantes de gelados e de frigoríficos deitam as mãos à cabeça... ;

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os seres humanos neste país à beira mar plantado, que outrora passavam trinta quilómetros em autêntica guerra civil, enfrentando uma verdadeira multidão de "potenciais inimigos", que à falta de carabinas e de outros objectos potencialmente letais, se têm de contentar com os seus tanques kamikaze de alta cilindrada (ou não...) quais Panzer endiabrados, interrompem docemente as hostilidades no dia 24 (a guerra civil pode durar 400 km neste dia, para despedida...), reiniciando-as no dia 26 com dose igual (porque o país não pode parar...);

Apeteceu-me falar sobre o tempo de paz, em que os seres humanos, por mais ameaças de morte ou tentativas de envenenamento com dioxinas que tenham recebido da sogra durante o resto do ano, se vêm agora na obrigação de partilhar com elas lautos e agradáveis almoços ou jantares de Natal, e trocar agradáveis presentes, para gáudio dos comerciantes;

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os fabricantes de chocolates, os fabricantes de velas, os fabricantes de brinquedos chineses, o Belmiro de Azevedo e as antigas casas dos trezentos lucram a valer, bem como os banqueiros dos paraísos offshore onde alguns deles têm as sedes...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os media se multiplicam em festas de Natal. Não há hospital, por mais pequeno que seja, que não se veja, durante este mês, nas luzes da ribalta, e não seja pressionado a, numa sempre fresca injecção de cultura, acolher um maravilhoso "pleibéque" feito pelos melhores especialistas dessa arte nossa praça (a começar na Ágata e a acabar no Toy). Temos de admitir que é sempre refrescante e educativo ver o Emanuel a cantar o Pimba para crianças...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que se multiplicam os peditórios, multiplicam-se os ceguinhos no metro,multiplicam-se as vendas de Natal (como se o ser humano ficasse mais sensível apenas na altura do Natal...)

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os Pais Natais, qual ovelha Dolly, são clonados em tudo quanto é sítio... (Se São Nicolau viesse cá abaixo neste momento, imagine-se o que ele ia lucrar com os direitos de imagem sobre os penicos, T-Shirts, roupa interior, relógios, velas, preservativos e outros items de suma importância...)

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que qualquer marca que se preze, seja de detergente para limpar casas de banho ou de parafusos e porcas, se autodenomine com a honrosa menção de "oficial do Natal"...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que as Crianças do Coro de Santo Amaro de Oeiras atingem o número um dos tops, pelo menos a julgar pela publicidade que lhe é dada no metropolitano (Elton John, volta, estás perdoado...) e em qualquer centro comercial... a começar no mais pequeno de Alcabideche... e a acabar no Colombo... (E viva o tio Belmiro, pois então!!!)

Mas apeteceu-me também falar sobre aspectos positivos: é agradável sentir o lume na lareira a crepitar enquanto se contam histórias lá na santa terrinha; a família reunida (ainda que com as divergências do costume) ; o sorriso das crianças (ainda que como a minha prima de "fabrico mais recente", tenham medo do Pai Natal) ; a paz, ainda que seja por um dia; o facto de receber e enviar mensagens a pessoas com quem não contacto desde... o Natal do ano passado :P

No entanto, o mais importante no Natal é, para mim, aquilo que não se vê, aquilo que não se palpa, mas aquilo que se sente: a Paz (interior e exterior), a Esperança (não, Esperança não é nome de sogra...), o Amor (não necessariamente aquele que se vê nas telenovelas ou nos filmes do canal 18, mas o Amor universal e incondicional)...

E é isso que eu gostava que se prolongasse durante o resto do ano, para mim e para os outros... porque, se olharmos com atenção, "Natal, é quando o Homem quiser..." :P

Um Santo Natal, dentro do possível!

2004/12/04

Caminho de vento

O meu telemóvel antigo, já com três anos de idade, decidiu tornar-se grevista... Por isso, comprei um telemóvel novo, daqueles em que a função menor de que dispõem é permitir fazer chamadas telefónicas... Fazem quase tudo menos tirar cafés... (Reparem que eu disse "quase"... O meu nível de exigência tecnológico não é muito grande neste momento...)

Mais por obrigação do que por gosto, vi-me na contingência de ter de actualizar manualmente a minha agenda telefónica para o novo telemóvel. Isso fez com que eu tivesse de passar a pente fino a agenda do seu antecessor e actualizar os contactos. Felizmente que a tecnologia evoluiu um pouco, e com a ajuda de um adaptador Bluetooth, consigo passar tudo pelo crivo do computador...

Ao "remexer" na agenda, em tantos nomes associados a pessoas, não consegui deixar de pensar... (ainda hoje, ouvi dizer que que quem pensa não casa... portanto estou feito... :P)

Da maior parte das poucas centenas de nomes que a compunham, uma grande porção correspondia a "amigos de circunstância": pessoas cujos caminhos, em certa altura da Vida, se cruzaram com os meus... A maior parte deles desapareceu sem deixar rasto... (Será que eu me esforcei para que elas não desaparecessem, ou será que os acontecimentos seguiram o seu rumo natural?)

Há um punhado deles que ainda persistem nas minhas relações... Alguns mais esporadicamente, outros menos, mas a maior parte ainda persiste...

Mas a duvida permanece: não seremos todos "amigos de circunstância"? Nem que a "circunstância" seja a vida, e a relação de amizade se finde em algum sítio possível da continuidade espaço-tempo (em último caso com a morte, ou talvez não...)? Por favor rebatam-me isto...

Outra coisa que me suscitou curiosidade foi constatar o quanto a minha vida mudou nos últimos 3 anos, e o quanto o que me parecia antes interminável, se revela agora tão volátil, tão efémero, tão passageiro...
Estou a falar em concreto de um curso superior, de toda uma vivência quase centrada (e ligada a) uma faculdade (porque o meu curso e as circunstâncias familiares assim o obrigaram...)
Estou a falar em concreto da minha vida afectiva, que deu uma volta de 360 graus (e esta foi mesmo de 360 graus... e não de 180... :P mas que talvez se tenha deslocado para cima na terceira dimensão... porque nunca se sai incólume de uma relação ou de algo parecido...)
Falo, igualmente, do Mundo em geral, de todas as alterações conjunturais na minha Vida...

Dei por mim a pensar que o tempo é como o vento, que passa por mim e segue o seu caminho, sabe-se lá para onde.
Dei por mim a pensar que não estou a conseguir construir moínhos de vento para o aproveitar (porque julgo que o vento me baterá sempre na cara) dificultando-me o caminho, e não consigo ter a veleidade de aproveitar a sua energia...
Dei por mim a pensar, a pensar, a pensar... (Não sei se vou casar, se não...) mas a verdade é que hoje estou muito reflexivo... e tudo por causa de um telemóvel... ou talvez não...


PS - Tenho escrito aqui muito pouco, mas o tempo e disponibilidade física e psicológica também não têm sido muitos... Todavia, tenho um post "prometido" sobre um certo assunto, que está a caminho... Keep waiting :)

2004/10/21

O noivado

A cena parecia tirada de um filme... À primeira vista, tudo parecia uma simples festa de anos - no dia de anos dela. Ele, ela, os amigos dela, a família dele, a família dela, o ameno convívio, o jantar, os presentes (excepto o dele, que lhe seria "dado após o bolo"), o bolo, a câmara omnipresente, para mais tarde recordar, as velas, o champanhe preparado, o discurso dela, a música certa...E foi então que ele pediu para discursar: Foi breve nas palavras, e tirou do bolso um anel. Ela ficou nervosa, tal como metade da assistência, creio... Beijaram-se, ela disse sim, e começou a chorar.Não sei se ela chorou de alegria, se de nervosismo, se de comoção pelo que se tinha passado... Talvez as três coisas. (De facto, há que compreender que não é todos os dias que somos pedidos em casamento...)
Foi a primeira vez que assisti a uma cena semelhante.
Fiquei boquiaberto, tal como a maioria da assistência (à excepção do irmão do noivo, da mãe da noiva e de todos os que tinham "conspirado" para que se desse aquele desfecho...)
Passados dois dias ainda estava nervoso, ainda não me tinha refeito do susto!

Hoje, a algumas semanas de distância, há várias coisas que recordo dessa noite: a primeira foi o ar de felicidade dela, a segunda, o magnífico ambiente que se gerou (eu tentei "ajudar à festa" o melhor que pude), e a terceira... bem... a terceira, foi o olhar triste estampado no rosto do ex-namorado que (e isto é algo que eu já lhe disse a ela face a face) a adorava, tinha "uma paciência de santo" para com ela, e com quem ela acabou o namoro, invocando uma desculpa qualquer...

Confesso que, nem naquela noite nem agora, fiquei triste, não obstante o facto de em tempos, eu próprio me ter platonicamente apaixonado por ela.
Fiquei até aliviado, por ela estar feliz, podendo contar com as pessoas de quem gosta (e estou a falar dos amigos e da família).

Fiquei em pouco triste, isso sim, com a sensação de ficar apanhado no curso da Vida, como se de um rio, cuja água corre cada vez mais rápido, se tratasse: quando o teu curso termina, os teus colegas e amigos (da tua idade) começam a ser pedidos em casamento - e a casar -, e mais tarde a ter filhos, já dá para uma pessoa se sentir "entradote"... :P mas "é a Vida" :P

Hoje, posso dizer, com alguma segurança, que não estou apaixonado, nem sequer platonicamente, por ela...
No entanto, há algo que é, dessa paixão, uma consequência inexorável: o sentimento de "If you're happy, I'm happy" e essa é e continua a ser a minha melhor prova de Amizade (sinónimo de Amor em sentido lato) para com ela.

Princess Diane, If you're happy, I'm happy... Muitas felicidades :D

2004/10/10

O palhaço

No outro dia, estava eu triste, saturado, stressado com uma situação daquelas que teoricamente não nos deviam stressar, porque a vida, ao que parece, é demasiado curta para isso - diz quem sabe -, e vi dois palhaços.
Não sei se eram ricos ou pobres, pareciam apenas um casal de palhaços, daqueles que têm um nariz vermelho, como um tomate, e as maçãs do rosto pintalgadas como se se tratassem de crianças travessas que tivessem assaltado a caixa de maquilhagem da mãe.

Disse-lhes: "Olá colegas!"

Ele estendeu-me uma mão e, no exacto momento em que eu estendi a minha, retirou-a e estendeu outra. Repetiu isso durante mais algumas vezes...
Ela, por seu turno, começou com vénias incessantes.

Arrancaram-me uma gargalhada...

Quando dei por mim, estava a virar-me para a parede e a cumprimentar o elevador. E ri-me, ri-me da forma mais inocente possível, como uma criança que vai ao circo pela primeira vez...

No caminho para casa, pensei em como seria bom ser palhaço.
Se calhar até já o sou... quando ponho um pouco de nonsense na vida real... Quando me ponho a brincar com os meus doentes... (crianças e adultos...) Tal valeu-me acusações, durante a fase de minha vida que durou seis meses e terminou (felizmente) em Junho, de incompetência profissional e de falta de maturidade.
Talvez tivessem razão. Ou talvez não...
Talvez tivessem razão a partir do momento em que, como ser humano que sou, estou e estarei sempre (espero) a evoluir... seja o que for que estiver a fazer (nem que seja a ver a Quinta das Celebridades, os meus cabelos, as minhas unhas, a minha barba estão a crescer...). Nesse aspecto, creio que nunca serei completamente maduro (acabado...) porque o dia em que o for, será o dia em que estagnarei.

Talvez tivessem razão a partir do momento em que eu, por vezes, sou obrigado a ver o mundo como se eu fosse uma criança. Mas não somos todos crianças, que um dia cresceram? Ou será que nos esquecemos disso? Além disso, é uma forma de defesa, viver um dia de cada vez... Ok, talvez eu não viva tanto um dia de cada vez... Por isso empreguei a expressão "por vezes"...

Talvez me fizesse falta ser um pouco mais "palhaço", profissionalmente e na vida real, porque como diz o povo, rir é o melhor remédio. Se não rirmos estupidamente das desgraças que passam por nós dia após dia, das sacanagens do vizinho do lado, que tenta passar por cima de nós o tempo todo, o que é que vamos fazer? Chorar?!

É por isso que eu queria, um dia, um minuto, um segundo... ser palhaço. E uma coisa é certa... Nunca mais vou chamar "palhaço" a ninguém, a não ser como elogio!

PS (12/10) - Exactamente no dia seguinte àquele em que eu escrevi este post, reencontrei os palhaços.
Desta vez, faziam uma "caravana" com os miudos atrás, e travaram (literalmente) para me cumprimentar. Fiquei a olhá-los com uma lágrima marota no olho direito, a desejar secretamente um dia ser livre como eles...
Obrigado Operação Nariz Vermelho!

2004/09/28

Como tornar-se um pseudo-intelectual em 12 lições

Numa tentativa de afectar este berlogue ao serviço público, aqui vão algumas dicas para quem se quiser tornar num Pseudo-Intelectual (PI, não confundir com PDI, o maior factor causador de várias doenças, segundo a OMS...)
  1. Comece todas as frases com uma citação de um filósofo, de preferência com um nome alemão, o mais obscuro possível...
  2. Se não souber o nome de nenhum filósofo alemão obscuro, sugerimos que procure saber o nome de um qualquer jogador de futebol da 3ª divisão austríaca, e lhe atribua uma frase da sua autoria. Com alguma sorte, o seu interlocutor não se dará ao trabalho de confirmar...
  3. Oiça rádios como a Antena 2, e, dentro desta, o maior número possível de programas sem música. Ahh, e já agora, compre bilhete para a temporada inteira no Teatro Nacional de São Carlos, nem que seja para dormir durante a ópera. (Não se esqueça de despertar no intervalo, para criticar a ópera, com qualquer pessoa que apanhe à frente...)
  4. Leia a contracapa de todos os livros que vir na livraria mais próxima, e critique-os junto dos amigos, com cara de quem os leu na íntegra.
  5. Vá ao dicionário (ou à enciclopédia) e procure as cem palavras com maior número de sílabas que conseguir encontrar. Empregue-as avidamente.
  6. Se não quiser ter o trabalho de memorizar as cem palavras, utilize o máximo possível de estrangeirismos para contrabalançar este facto. Dão-se para este efeito preferência a alocuções latinas e a expressões o mais germânicas possíveis.
  7. Utilize o máximo possível de palavras terminadas em -ismo... mesmo que não signifiquem coisa nenhuma.
  8. Veja filmes do Manoel de Oliveira, e delicie-se com a dinâmica dos planos. Utilize para os comentar expressões como "é o metapsiquismo do transexistencialismo crónico, na observância das condições sine qua non para a hermenêutica da propedêutica"
  9. Fale pouco em muitas palavras. Não diga, por exemplo, "Vou beber água." Fica muito melhor a um pseudointelectual dizer "Vou repôr o balanço hídrico". Ainda melhor, poderá dizer: "Vou fazer como a Frieda, o personagem do livro de Von Klinkerhoffen "As Virgens do Lago", na cena em que ela fala com a menina do chapéu com girassóis... (Nota: como ninguém sabe quem é o Von Klinkerhoffen... - nem o autor deste texto! - , imagine quando brilhar ao dizer que esta verborreia toda significa que vai beber água...)
  10. Comente os telejornais. No café, ao jantar, em todas as ocasiões possíveis e imaginárias.
  11. Fale de tudo sem dizer coisa nenhuma, com o ar de quem é o maior perito do mundo no assunto sobre o qual falou.
  12. Regra de ouro: Critique, critique, critique... Lembre-se de um ditado muito utilizado entre os músicos: Quem aprende música e sabe tocar, vai para músico. Quem não sabe, vai para crítico...

E pronto, acabou o serviço público por hoje... Brevemente, teremos um post sobre como falare como deve de ser, sem dare herros hortugárficos...

2004/09/26

Ainda sobre tranquilidade... (ou a lamechice continua...)

Nem por acaso, no dia a seguir a escrever o post anterior, um maestro veio lá ao serviço falar sobre um projecto de música em hospitais.
O projecto é muito simples... Consiste na interacção, por parte de um músico treinado para tal, com crianças doentes, apenas com música, estimulando a criatividade e a comunicação por parte das mesmas.
Foi assim que me lembrei daquilo que sinto quando oiço ou quando toco um qualquer instrumento (nem que seja ferrinhos).
Para mim, a Música serve para exprimir aquilo que não se consegue exprimir por palavras... Mais do que sentimentos, mais do que emoções...
Consegue fazer a magia de aproximar povos e culturas, de unir um grupo de pessoas em torno de um mesmo fim (nem que seja uns milhões de pessoas em torno de "11 homens em cuecas que correm atrás de uma bola para ganhar a vida"), de unir uma humanidade inteira...
Em mim, como já se viu, a música tem um efeito completamente terapêutico...
Recordo, neste momento, que o meu piano foi, em tempos, o meu melhor amigo... o único ser a quem eu podia contar algo, e que não fazia juizos de valor sobre o que eu lhe contava...
Naquela altura, eu estava bastante mais desprotegido quanto aos juízos de valor feitos por outrém...
Neste momento, importo-me menos com esses juízos de valor. Não, ainda não atingi a perfeição nesse ponto, que é não me importar absolutamente nada com o que os outros possam pensar... No entanto, gostava de a atingir... (Isto é que é falar à José Mourinho...)

A perfeição... Porque é que temos de ser perfeitos?

Aqui, neste nosso cantinho que é o Ocidente, temos de ser os melhores em tudo, e começa logo desde que somos crianças: o aluno ideal, e depois o profissional ideal, o membro-do-grupo-seja-ele-qual-for-em-que-nos-inserimos ideal, o amigo ideal, o marido ideal, o amante ideal, o pai ideal, o homem do "social"...
Será que não nos contentamos em ser nós próprios? Será que a sociedade não se contenta em que nós sejamos nós próprios?
Ficou-me na cabeça uma frase de um filme que vi hoje: ("[No Tibete] nós honramos muito mais o homem que perde o seu ego, do que o que tem muito dinheiro, ou muitas honrarias" - Sete anos no Tibete)
Aqui e agora, tenho de dar a mão à palmatória, pôr a mão na consciência, e fazer um mea culpa pelas vezes em que exigi demais a mim próprio e, sobretudo aos outros... Os visados/as que me perdoem... mas sabem qual é o problema? É que eu reconheço isto tudo, mas depois, por mais que tente, não consigo aplicar...
Ok, acho que já falei muito hoje... (Isto é lamechice demais... qualquer dia vendo os direitos ao Moita Flores e ele escreve uma telenovela...)

2004/09/19

Tranquilidade?!

Eu vou admitir: hoje estou um bocado lamechas...
Ando num stress enorme devido à vida profissional (de resto, neste momento não tenho mais nada que me perturbe de forma aguda - tenho um stress crónico que é a situação do meu pai... aliás, nunca estive tão defensivo como agora em relação a isso...) mas a vida profissional é que está mesmo uma indefinição...

Só que neste momento, estou a sentir uma estranha tranquilidade. Estou a fazer "musicoterapia". Oiço neste instante um violoncelista chamado Yo-Yo Ma, a interpretar um preludio da suite nº 1 para violoncelo de Bach.
Devo dizer que o violoncelo é um dos meus instrumentos preferidos.... Se pudesse tocar um instrumento de cordas era esse mesmo que escolhia. A solo, consegue fazer vibrar uma sala inteira, mesmo sendo difícil desta maneira tocar notas harmónicas...

Quanto ao compositor, já ouvi dizer muita coisa deste homem, que teve uma vasta produtividade, não só musical.
(Teve 20 filhos!... Provavelmente o custo relativo de vida não era tão alto como agora... ou então devia pôr muito picante na comida, ou talvez tivesse, como bom alemão, um método rigoroso para... enfim!!! Sem comentários...)

Também já ouvi dizer, quanto à música, que Bach é o compositor preferido dos intelectuais virgens... Eu não sei, neste caso, o que se entende por intelectual e por virgem... e se o termo se aplica à minha pessoa, mas é para Bach que estou virado hoje...

E estou tranquilo... estranhamente tranquilo... como se não houvesse tempo nem espaço, como se o amanhã e o ontem se diluissem, como se só houvesse este momento...

Xiii, pareço um escritor de romances baratos a descrever um beijo... "E João e Amélia amaram-se, como se fosse a primeira e a última vez, como se não houvesse amanhã nem ontem nem sequer hoje, como se fossem almas intemporais, como se... (ok, vocês perceberam a ideia...)"

(E será que há amanhã?!) Uiii... Filosofia a esta hora da noite é que não dá...

PS - Li num excelente jornal nonsense que há por aí, o Inépcia, que a maior parte dos berlogues não tem nada de interessante, a não ser para as pessoas que conhecem a pessoa que publica o blog.
Se estes posts são interessantes ou não... acho que não posso comentar... São os meus pensamentos... Escrevo mais para mim próprio do que para os outros... (É a hermenêutica da propedêutica... parte 2 :P) Mas admito... a maior parte disto é "palha", mas põem-me bem disposto.

2004/09/01

Aquele filme... (ou talvez o dia em que eu descobri que não sou um pós-adolescente)

Mais uma confissão...

...e antes disso, um aparte: começo a pensar seriamente que este berlogue devia chamar-se confissões de pós-adolescente... Acho que não o conseguiria ver representado por actores pós-adolescentes de 30 e tal anos (se os "adolescentes" actuais têm vinte e muitos...), de lábios cerrados e a dizer "ya, man, tá-se bem, sou bué baldas, tás a ver?" - porque o estereótipo que se faz da minha geração ainda fala assim...
... se bem que eu também não seja exactamente um pós-adolescente... mas a definição de pós adolescente também pode ir desde a idade em que supostamente começamos a ter "juízo"...
... er....
...er... pronto, ok... eu não sou um pós-adolescente...

Vamos à confissão, então?!

A confissão é a seguinte... Esperava que aquele filme fosse um pouco para intelectual... tal como este berlogue... e os Morangos com Açucar, claro...

De facto, à primeira vista, as minhas suspeitas confirmaram-se... Vi uma vasta multidão de 6 pessoas na sala, algumas sozinhas, outras acompanhadas; algumas com ar de irem comentar a seguir, enquanto puxam do cachimbo... "Pois, isto é a Hermenêutica da Propedêutica..."; outras com ar de quem vai, logo a seguir, para uma manifestação de legalização seja lá daquilo que for... A sala parecia ressuscitada dos anos 80, do tempo em que Kilas era de facto o mau da fita, que aterrorizava toda a gente incluindo uma tal de Rita, que adorava pôr-se em guarda (seja lá o que isso fosse...)

... Mas as minhas primeiras suspeitas, tal como muitas suspeitas infundadas, estavam erradas. De facto, assisti a um filme assombroso. Visionei uma metáfora da vida humana, que tinha como título Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera.
Falava da história de um homem, que no caso era um monge budista, mas podia ser outro homem qualquer... Católico, Protestante, Islamista, Hindu, ou de qualquer religião... Falava do Amor, do condicional e do incondicional, de paixão, luxúria, de morte e de Vida, falava de uma caminhada (porque o mais importante não é o chegar ao cume, mas o caminho)...

Ensinou-me (recordou-me?) várias coisas:

Ensinou-me (recordou-me) que para quando amamos alguém, precisamos de a saber deixar no momento certo, porque de quem nós gostamos pode haver também quem goste...

Ensinou-me (recordou-me) que por mais tortuoso que seja o caminho, há oportunidades algures para tomar o caminho certo, desde que tenhamos a coragem de deixar de nos enganar a nós próprios e de fazer o possível por corrigir os nossos erros o mais depressa possível...

Ensinou-me (recordou-me) que por mais chuvoso e escuro que seja o Inverno, por mais pesada que seja o peso que carreguemos no nosso coração, há sempre uma Primavera, onde nos sentiremos outra vez leves, outra vez livres...

... porque na vida há uma Primavera, um Verão, um Outono, um Inverno, e novamente uma Primavera.

(E digam lá que isto não foi pseudo-intelectual?!?!?! Daqui a pouco estou a dar umas fumaças no belo do cachimbo... É a Hermenêutica da Propedêutica!!)

2004/08/28

Obrigado.


Estive hoje numa conversa até às 3 da manhã com uma amiga minha. Vou confessar: não esperava ter essa conversa, e gostei de a ter. Dantes, falávamos sobre muitos assuntos... Alguns de carácter mais ou menos fútil. Hoje, falámos sobre mil e um temas, sobre política, sobre sociologia, sobre psicologia social, sobre Amor, em sentido lato e universal... Hoje, (e não só hoje), ela revelou-se um ser mais atento do que eu à realidade que o envolve...
É de referir que alheio ao meu preconceito não foi o facto de essa minha amiga ler compulsivamente a Caras.
Sinto que talvez tenha vivido, durante os últimos anos (20 anos, provavelmente...) sob uma redoma de pseudoelitismo... (Não confundir com pseudoetilismo...)
Ao crer-me incapaz de ter a conversa supracitada, tenho-me esquecido, durante os últimos anos, que não sou a única pessoa especial no Universo. Existem, com efeito, milhões e milhões de pessoas tão especiais quanto eu. Todos diferentes, mas todos iguais...
Ao crer-me incapaz de ter a conversa supracitada, não quis saber que muitas vezes, as aparências iludem.
Ao crer-me incapaz de ter a conversa supracitada, ignorei, inclusivé, que, por exemplo, um dos maiores filósofos do século XX era porteiro num hotel, embora pertencesse a uma das famílias materialmente mais ricas da Europa...
Por isso, só tenho que me congratular, porque o Mundo, está a mudar, a cultura da ignorância está a deixar de existir...
Tenho, concomitantemente, de agradecer à minha amiga:
Obrigado por me teres lembrado que só podemos modificar o presente.
Obrigado por me teres recordado de que, muitas vezes, somos mestres e aprendizes ao mesmo tempo.
Obrigado por me dares a certeza, hoje e sempre, de que posso contar contigo.
Obrigado por dares significado ao provérbio que se diz na terra dos meus Pais: Um bom amigo, nem que seja no inferno...
PS - E desengane-se, neste momento, quem julga que estou apaixonado... Ok?

2004/07/06

Olá...

Este blog não é mais que um exercício de reflexão sobre a transsubjectividade da condição humana, quando encarada numa perspectiva puramente Dostoievskiana do transcendentalismo da existência.

(Não, não andei a ver a TV2 em demasia... Apeteceu-me começar com uma tirada pseudointelectual, que eu não faço a mais pálida ideia do que significa...)


Do começo!!!

Olá


Era uma vez um menino que andava à procura de si próprio no meio da realidade...

Esta é a história da procura...