2005/11/23

Desabafo (de um ex-interno do geral)

Não querendo imitar o excelente Médico Explica Medicina a Intelectuais... só queria dizer, fashavor, que às vezes, ao ler certas notícias, não percebo...

Eu sei que talvez esteja a ser egoísta, mas às vezes não percebo o que é que as pessoas esperam quando vão a um médico, numa urgência de medicina...

Talvez esperem que, de repente, nos transformemos num anjo de bata branca, nos cheguemos junto do doente, ponhamos a mão sobre a sua testa e digamos, com ar messiânico "Meu Irmão, tu estás curado"...

Talvez tenham a esperança de, às vezes, saiba-se lá como, infringindo todas as regras éticas e lógicas possíveis e imaginárias, possamos utilizar os nossos superpoderes - nos quais se encontra o "arranhanço", aprendido num curso que mais parece, por vezes, um curso por correspondência, tal é o nível de auto-aprendizagem, do temido "mediquês" - língua preferida pelos médicos para, qual pseudo-intelectuais de vão-de-escada, comunicarem entre si, para falar de cor acerca de doenças do domínio do especialista, sobre as quais não lemos mais do que uma nota de pé de página...

Talvez aguardem que façamos em dez segundos análises perfeitas, sem falsos positivos nem falsos negativos, que normalmente duram dez dias a ser concluídas, mesmo numa aparente constipação; acertemos num diagnóstico em dois segundos, de forma enciclopédica e depois, que façamos a terapêutica topo-de-gama, mesmo que o hospital onde estejamos não tenha dinheiro para mandar cantar um cego...

Talvez se esqueçam que a medicina nunca é nem foi "cem por cento"... que somos pressionados pelo stress dos números: (ele é dias de internamento, percentagem de reinternamentos, etc, etc, etc...), pelo stress dos doentes, pela transferência e contra-transferência dos mesmos, ou, como qualquer ser humano normal, pelos outros stresses do dia-a-dia... e mesmo assim muitos de nós ainda conseguem sorrir...

Talvez não saibam que, com o estado da medicina actual, por vezes o sorrir, o dar a "pancadinha nas costas" e dizer "tem de ter paciência" são as únicas coisas que nos restam...

Será que alguém me explica, como se eu tivesse 4 anos, (não garanto que aceite a explicação do inexplicável!) o surgimento de notícias como esta?...

PS 1 - Para os "franco-diagnosticadores" amadores nos quais eu próprio às vezes me conto: não, não estou a ficar deprimido!!! Nem paranóide, em relação à minha profissão!!!

PS2 - Ao contrário de algumas crónicas em contrário, não estou morto, não emigrei para a Tanzânia, nem muito menos fugi com uma espanhola... (ou com uma italiana! :P)
Este berlogue tem estado quase em auto-gestão... :( Tal facto deve-se a muitas situações, entre as quais a falta de tempo e de disponibilidade mental para escrever... (Quando me apetece escrever, não tenho acesso a computador e vice-versa!!!)

PS3 - Ala que se faz tarde, para uma noite de aprendizagem no "banco"...