2004/12/26

Reflexões madrugadoras sobre o sentido da vida

São 7 da manhã, acordei com uma neura descomunal e apetece-me escrever...

Há uma pequena linha que separa a sanidade da loucura, a ordem da desordem, o concerto do desconcerto, o saber da ignorância, a arrogância da simplicidade, o amor do ódio, o desespero da esperança...
Há uma pequena linha invisível que separa a Vida da Morte, o Ser do Não-Ser...
Porque é que o Universo em que vivemos é feito de realidades tão dispares e, ao mesmo tempo, tão próximas?

Porque é que o Mundo é complicado, a começar pelo nosso nascimento?
O útero materno parece ser um lugar tão confortável! Que mundo é este em que, se nascermos da forma mais natural possível, nascemos a ouvir um enfermeiro a dizer à nossa mãe: "Faça cocó duro"... Somos defecados?!
E, depois, não admira que choremos... Choramos, como diria Shakespeare, porque chegámos a este universo de loucos... Choramos porque a nossa pequena paz, a nossa pequena tranquilidade, estará abalada para sempre...
E o que nos fazem? Picam-nos, irritam-nos, logo à partida... Depois, as visitas chatas a qualquer hora do dia, a dizer-nos, numa voz o mais aguda possível: "Ai, que parecido que ele é com o bisavô Segismundo... Que faleceu há quarenta anos debaixo de um tractor..." (E depois, vá de chorar por causa da morte do bisavô Segismundo...)

Depois, a educação, o sermos comparados logo desde o nascimento com os outros... muitas vezes baseados em factos que não têm cabimento... ("Ai, o meu Adérito tem um nariz maior que o teu Armindo... Por isso deve ser mais inteligente") Depois da comparação, a competição, que é transmitida, como valor importante que é, às crianças... ("Filho, tens de estudar para seres alguém na vida...")

Depois é que aquilo a que chamamos vida, este pequeno jogo quotidiano pelo qual passamos todos os dias, é tão complicada? Porque é que a levamos tão a sério?! Porque é que somos tão competitivos? Tão agarrados às mais pequenas realidades, a começar pelo dinheiro... (Não estou a dizer que não seja bom ter-se dinheiro... Não quero cair nesse lugar-comum, nessa hipocrisia...)
E, acreditem, ao falar na 1ª pessoa do plural, estou a dar a mão à palmatória, e a incluir-me a mim próprio...

E depois, a atitude face à morte... Se passamos parte da vida a lamentar-nos, porque é que choramos quando alguém morre? (Ou porque é que é socialmente correcto fazê-lo?) Será porque sentimos a falta dessa pessoa? Será que pensamos verdadeiramente na pessoa que morre? (Não estou aqui a fazer a apologia da eutanásia...)
(Quem me conhece sabe que eu estou, neste momento, a fazer um luto importante relativamente a um familiar muito próximo, ou talvez este luto se tenha vindo a consubstanciar ao longo de alguns anos...)
Porque é que evitamos falar da morte? Porque é que a minha mãe se arrepia de cada vez que eu digo, meio a brincar, meio a sério: "aprende comigo, que eu não duro para sempre"? (e isso não é necessariamente a tradução de uma crise suicidária aguda...)

Longe de mim vir para aqui dar lições de moral... Até porque tudo aquilo de que falo neste berlogue , falo por vezes contra mim... Mas hoje, acordei com estas dúvidas a toldarem-me o espírito. Acordei oprimido, sufocado... e decidi deixar fluir as palavras, ainda que obnubilado pelas poucas horas de sono...

São 8 da manhã... O sol está a nascer,a neura já passou em parte, e acho que vou dormir aquilo que não dormi...
As restantes dúvidas existenciais ficam "para outras núpcias"...

PS - Durante este post, lembrei-me deste fantástico filme dos Monty Python! A não perder, para os menos conservadores do ponto de vista religioso e para quem gosta de comédia nonsense.

2004/12/20

Sobre o Natal...

Hoje apeteceu-me falar sobre o Natal...

Apeteceu-me falar sobre essa época.
Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os pássaros chilreiam... nas gaiolas dos habitats dos seres humanos (isto para quem tem pássaros em casa, e não tenha gatos com acesso fácil às gaiolas);

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que a EDP contribui para revitalizar o tecido económico nacional - o nosso e o da Arábia Saudita, porque a conta sobe monstruosamente (bendito seja o santo aquecedor) e em que os negociantes de gelados e de frigoríficos deitam as mãos à cabeça... ;

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os seres humanos neste país à beira mar plantado, que outrora passavam trinta quilómetros em autêntica guerra civil, enfrentando uma verdadeira multidão de "potenciais inimigos", que à falta de carabinas e de outros objectos potencialmente letais, se têm de contentar com os seus tanques kamikaze de alta cilindrada (ou não...) quais Panzer endiabrados, interrompem docemente as hostilidades no dia 24 (a guerra civil pode durar 400 km neste dia, para despedida...), reiniciando-as no dia 26 com dose igual (porque o país não pode parar...);

Apeteceu-me falar sobre o tempo de paz, em que os seres humanos, por mais ameaças de morte ou tentativas de envenenamento com dioxinas que tenham recebido da sogra durante o resto do ano, se vêm agora na obrigação de partilhar com elas lautos e agradáveis almoços ou jantares de Natal, e trocar agradáveis presentes, para gáudio dos comerciantes;

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os fabricantes de chocolates, os fabricantes de velas, os fabricantes de brinquedos chineses, o Belmiro de Azevedo e as antigas casas dos trezentos lucram a valer, bem como os banqueiros dos paraísos offshore onde alguns deles têm as sedes...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os media se multiplicam em festas de Natal. Não há hospital, por mais pequeno que seja, que não se veja, durante este mês, nas luzes da ribalta, e não seja pressionado a, numa sempre fresca injecção de cultura, acolher um maravilhoso "pleibéque" feito pelos melhores especialistas dessa arte nossa praça (a começar na Ágata e a acabar no Toy). Temos de admitir que é sempre refrescante e educativo ver o Emanuel a cantar o Pimba para crianças...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que se multiplicam os peditórios, multiplicam-se os ceguinhos no metro,multiplicam-se as vendas de Natal (como se o ser humano ficasse mais sensível apenas na altura do Natal...)

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que os Pais Natais, qual ovelha Dolly, são clonados em tudo quanto é sítio... (Se São Nicolau viesse cá abaixo neste momento, imagine-se o que ele ia lucrar com os direitos de imagem sobre os penicos, T-Shirts, roupa interior, relógios, velas, preservativos e outros items de suma importância...)

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que qualquer marca que se preze, seja de detergente para limpar casas de banho ou de parafusos e porcas, se autodenomine com a honrosa menção de "oficial do Natal"...

Apeteceu-me falar sobre o tempo em que as Crianças do Coro de Santo Amaro de Oeiras atingem o número um dos tops, pelo menos a julgar pela publicidade que lhe é dada no metropolitano (Elton John, volta, estás perdoado...) e em qualquer centro comercial... a começar no mais pequeno de Alcabideche... e a acabar no Colombo... (E viva o tio Belmiro, pois então!!!)

Mas apeteceu-me também falar sobre aspectos positivos: é agradável sentir o lume na lareira a crepitar enquanto se contam histórias lá na santa terrinha; a família reunida (ainda que com as divergências do costume) ; o sorriso das crianças (ainda que como a minha prima de "fabrico mais recente", tenham medo do Pai Natal) ; a paz, ainda que seja por um dia; o facto de receber e enviar mensagens a pessoas com quem não contacto desde... o Natal do ano passado :P

No entanto, o mais importante no Natal é, para mim, aquilo que não se vê, aquilo que não se palpa, mas aquilo que se sente: a Paz (interior e exterior), a Esperança (não, Esperança não é nome de sogra...), o Amor (não necessariamente aquele que se vê nas telenovelas ou nos filmes do canal 18, mas o Amor universal e incondicional)...

E é isso que eu gostava que se prolongasse durante o resto do ano, para mim e para os outros... porque, se olharmos com atenção, "Natal, é quando o Homem quiser..." :P

Um Santo Natal, dentro do possível!

2004/12/04

Caminho de vento

O meu telemóvel antigo, já com três anos de idade, decidiu tornar-se grevista... Por isso, comprei um telemóvel novo, daqueles em que a função menor de que dispõem é permitir fazer chamadas telefónicas... Fazem quase tudo menos tirar cafés... (Reparem que eu disse "quase"... O meu nível de exigência tecnológico não é muito grande neste momento...)

Mais por obrigação do que por gosto, vi-me na contingência de ter de actualizar manualmente a minha agenda telefónica para o novo telemóvel. Isso fez com que eu tivesse de passar a pente fino a agenda do seu antecessor e actualizar os contactos. Felizmente que a tecnologia evoluiu um pouco, e com a ajuda de um adaptador Bluetooth, consigo passar tudo pelo crivo do computador...

Ao "remexer" na agenda, em tantos nomes associados a pessoas, não consegui deixar de pensar... (ainda hoje, ouvi dizer que que quem pensa não casa... portanto estou feito... :P)

Da maior parte das poucas centenas de nomes que a compunham, uma grande porção correspondia a "amigos de circunstância": pessoas cujos caminhos, em certa altura da Vida, se cruzaram com os meus... A maior parte deles desapareceu sem deixar rasto... (Será que eu me esforcei para que elas não desaparecessem, ou será que os acontecimentos seguiram o seu rumo natural?)

Há um punhado deles que ainda persistem nas minhas relações... Alguns mais esporadicamente, outros menos, mas a maior parte ainda persiste...

Mas a duvida permanece: não seremos todos "amigos de circunstância"? Nem que a "circunstância" seja a vida, e a relação de amizade se finde em algum sítio possível da continuidade espaço-tempo (em último caso com a morte, ou talvez não...)? Por favor rebatam-me isto...

Outra coisa que me suscitou curiosidade foi constatar o quanto a minha vida mudou nos últimos 3 anos, e o quanto o que me parecia antes interminável, se revela agora tão volátil, tão efémero, tão passageiro...
Estou a falar em concreto de um curso superior, de toda uma vivência quase centrada (e ligada a) uma faculdade (porque o meu curso e as circunstâncias familiares assim o obrigaram...)
Estou a falar em concreto da minha vida afectiva, que deu uma volta de 360 graus (e esta foi mesmo de 360 graus... e não de 180... :P mas que talvez se tenha deslocado para cima na terceira dimensão... porque nunca se sai incólume de uma relação ou de algo parecido...)
Falo, igualmente, do Mundo em geral, de todas as alterações conjunturais na minha Vida...

Dei por mim a pensar que o tempo é como o vento, que passa por mim e segue o seu caminho, sabe-se lá para onde.
Dei por mim a pensar que não estou a conseguir construir moínhos de vento para o aproveitar (porque julgo que o vento me baterá sempre na cara) dificultando-me o caminho, e não consigo ter a veleidade de aproveitar a sua energia...
Dei por mim a pensar, a pensar, a pensar... (Não sei se vou casar, se não...) mas a verdade é que hoje estou muito reflexivo... e tudo por causa de um telemóvel... ou talvez não...


PS - Tenho escrito aqui muito pouco, mas o tempo e disponibilidade física e psicológica também não têm sido muitos... Todavia, tenho um post "prometido" sobre um certo assunto, que está a caminho... Keep waiting :)