São 7 da manhã, acordei com uma neura descomunal e apetece-me escrever...
Há uma pequena linha que separa a sanidade da loucura, a ordem da desordem, o concerto do desconcerto, o saber da ignorância, a arrogância da simplicidade, o amor do ódio, o desespero da esperança...
Há uma pequena linha invisível que separa a Vida da Morte, o Ser do Não-Ser...
Porque é que o Universo em que vivemos é feito de realidades tão dispares e, ao mesmo tempo, tão próximas?
Porque é que o Mundo é complicado, a começar pelo nosso nascimento?
O útero materno parece ser um lugar tão confortável! Que mundo é este em que, se nascermos da forma mais natural possível, nascemos a ouvir um enfermeiro a dizer à nossa mãe: "Faça cocó duro"... Somos defecados?!
E, depois, não admira que choremos... Choramos, como diria Shakespeare, porque chegámos a este universo de loucos... Choramos porque a nossa pequena paz, a nossa pequena tranquilidade, estará abalada para sempre...
E o que nos fazem? Picam-nos, irritam-nos, logo à partida... Depois, as visitas chatas a qualquer hora do dia, a dizer-nos, numa voz o mais aguda possível: "Ai, que parecido que ele é com o bisavô Segismundo... Que faleceu há quarenta anos debaixo de um tractor..." (E depois, vá de chorar por causa da morte do bisavô Segismundo...)
Depois, a educação, o sermos comparados logo desde o nascimento com os outros... muitas vezes baseados em factos que não têm cabimento... ("Ai, o meu Adérito tem um nariz maior que o teu Armindo... Por isso deve ser mais inteligente") Depois da comparação, a competição, que é transmitida, como valor importante que é, às crianças... ("Filho, tens de estudar para seres alguém na vida...")
Depois é que aquilo a que chamamos vida, este pequeno jogo quotidiano pelo qual passamos todos os dias, é tão complicada? Porque é que a levamos tão a sério?! Porque é que somos tão competitivos? Tão agarrados às mais pequenas realidades, a começar pelo dinheiro... (Não estou a dizer que não seja bom ter-se dinheiro... Não quero cair nesse lugar-comum, nessa hipocrisia...)
E, acreditem, ao falar na 1ª pessoa do plural, estou a dar a mão à palmatória, e a incluir-me a mim próprio...
E depois, a atitude face à morte... Se passamos parte da vida a lamentar-nos, porque é que choramos quando alguém morre? (Ou porque é que é socialmente correcto fazê-lo?) Será porque sentimos a falta dessa pessoa? Será que pensamos verdadeiramente na pessoa que morre? (Não estou aqui a fazer a apologia da eutanásia...)
(Quem me conhece sabe que eu estou, neste momento, a fazer um luto importante relativamente a um familiar muito próximo, ou talvez este luto se tenha vindo a consubstanciar ao longo de alguns anos...)
Porque é que evitamos falar da morte? Porque é que a minha mãe se arrepia de cada vez que eu digo, meio a brincar, meio a sério: "aprende comigo, que eu não duro para sempre"? (e isso não é necessariamente a tradução de uma crise suicidária aguda...)
Longe de mim vir para aqui dar lições de moral... Até porque tudo aquilo de que falo neste berlogue , falo por vezes contra mim... Mas hoje, acordei com estas dúvidas a toldarem-me o espírito. Acordei oprimido, sufocado... e decidi deixar fluir as palavras, ainda que obnubilado pelas poucas horas de sono...
São 8 da manhã... O sol está a nascer,a neura já passou em parte, e acho que vou dormir aquilo que não dormi...
As restantes dúvidas existenciais ficam "para outras núpcias"...
PS - Durante este post, lembrei-me deste fantástico filme dos Monty Python! A não perder, para os menos conservadores do ponto de vista religioso e para quem gosta de comédia nonsense.
2004/12/26
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