2005/07/19

Como sobreviver a um vendedor de banha da cobra

Portuga que é portuga, já foi, decerto, abordado telefonicamente por uma daquelas vozes que lhe fazem duas ou três perguntas difíceis ("Como se chama o presidente da República?" é apenas um exemplo) e lhe dizem, de forma entusiástica, que ganhou um magnífico prémio - quer seja uma máquina de endireitar bananas ou uma viagem ao magnífico mundo natural de Carrazeda de Ansiães...
Depois de anotar o número de telefone e falar com um doutor qualquer, o portuga, ansioso pelo prémio, deixa o filho pequeno entregue aos avós e dirige-se, com a cara-metade, à morada indicada.

Lá, para seu espanto, até pode estar um prémio à sua espera, mas não sem uma demonstração de colchões, porcelanas ou viagens, e (pior do que isso...) uma conversa com um bicho vendedor.

Não se deixe enganar pelo ar inocente do bicho. O vendedor é capaz do pior. É treinado durante 3 meses. É alimentado a pão e água, e, ao que consta, um dos exames finais é tentar vender, utilizando exclusivamente a língua portuguesa, serviços de porcelana da Vista Alegre a Camponeses Vietnamitas.

O confronto entre o bicho vendedor e o Portuga dura quatro a cinco horas.
Nele, o bicho vendedor começa por lhe dizer que o "preço" a pagar pelo prémio é ouvir a apresentação (o mesmo é dizer, aturá-lo durante o supra-citado tempo). Começa por lhe fazer um pretenso questionário, no qual tenta saber diversos pormenores da sua vida privada... desde o seu número de calçado até ao número de vezes que tratou dos calos no último ano...
Depois, começa com um discurso, do qual se pode dizer tudo menos que é ininteligível para pessoas com idade mental superior a 2 anos, em que apresenta o produto.
A meio do discurso, a sala, que estava vazia, compõe-se com um casal de participantes.
O discurso do bicho vendedor continua durante algumas horas, até que, depois de muito massacrar, depois de revelar - ele próprio - grande parte da sua vida privada (não pensem em coisas obscenas, meninos... não é nada disso!!!) decide apresentar um preço, que, promoção das promoções, passa de um valor avassaladoramente exorbitante para outro apenas moderadamente exorbitante em apenas um estalar de dedos. E, para cúmulo, pode ser pago a crédito, durante uma vida inteira, em suaves prestações de metade do rendimento disponível... Aí (milagre dos milagres), o casal de participantes, como se lhes tivesse mordido um mosquito, fecha negócio...

O desfecho pode ser trágico: Vencido pela persistência do bicho vendedor, acaba por ser convencido (ou não) a comprar algo de que precisa tanto como um careca precisa de um pente, e a engrossar as filas de clientes dos créditos usurários de uma qualquer sociedade financeira de aquisição a crédito. Se tiver sorte, pode sair dali com um cheque para umas férias de 2 ou 3 dias nem que seja no quartel dos bombeiros voluntários de Ranholas...

O presente post indica algumas estratégias para tirar partido da situação e dar a volta por cima.

Estratégia obsessiva

Pergunte, durante a chamada telefónica, todas as características do prémio e da sessão de entrega em questão, até ao mínimo detalhe. Quanto tempo demora a levantar o prémio, se não é time-sharing, se lhe vão tentar vender alguma coisa, se vai estar na entrega a Lili Caneças, qual a cor das cuecas do bicho vendedor... Vale tudo, até vencer o seu interlocutor telefónico pelo cansaço.
Para a entrevista, leve o cronómetro. Quando o bicho vendedor começar a falar diga-lhe "Tem exactamente quinze minutos" (ou o tempo que lhe disserem que dura a sessão). Prima o botão Start do cronómetro. Quando o cronómetro atingir os quinze minutos levante-se e diga "Acabou o seu tempo".

Comentário: Sair porta fora não é muito boa opção... No entanto, o simples facto de se levantar quando acabar o tempo intimida o bicho vendedor e indica-lhe que não está disposto a comprar nada.

Estratégia da resposta ao lado

Quando lhe perguntarem o seu nome diga, por exemplo: "A decoração desta sala até é atraente, mas eu prefiro o rosa choque..." Leve a Caras e quando o bicho vendedor começar a falar, comece a folheá-la... Comece a cantar o hino nacional quando o bicho vendedor falar no produto...

Comentário: esta estratégia pode ser bastante valiosa, até certo ponto... quando o bicho vendedor perceber que consigo nada resulta e se vira para a sua cara-metade...

Estratégia da contra-guerrilha

Com que então aquela empresa enganou-o? Então troque-lhes as voltas! Comece por trocar os seus dados completamente. Por exemplo, se for médico, responda que é pedreiro... (sem qualquer desprimor para os pedreiros, leia-se...) Quando lhe perguntarem para onde costuma ir de férias, responda que nunca passou da Costa da Caparica para baixo... Quando lhe perguntarem os hobbies, diga que gosta muito de Bodyboard, mesmo que nunca tenha visto uma prancha a frente. Se o bicho vendedor o tratar por "tu", trate-o de igual forma, e acrescente uns termos daqueles muito vistos nas telenovelas, que é onde "a malta aprende a falar"... "Ya, man, tás a dropinaaaaar!!!" ou "Nix, man, nix!!!"... Se possível, utilize-os com a voz naturalmente arrastada de quem fumou duas ou três ganzas antes de ir para ali...

Comentários: Tenha cuidado para o seu companheiro/a de entrevista não se desmanchar a rir...

Estratégia "low-profile"

Esta estratégia é a que exige maior resistência. Consiste em aguentar estoicamente durante as quatro ou cinco horas que durar a sessão, ouvindo pacientemente o vendedor. Quando ele se preparar para fechar o negócio, diga-lhe simplesmente que não tem dinheiro, que nunca na sua vida se meteu num crédito (mesmo que esteja endividado até ao pescoço), e que os créditos são uma estratégia do grande capital para apanhar os trabalhadores incautos... Se ele insistir muito em contra-argumentar, desate a cantar "Avante, camaradas, avante" e mostre-lhe a T-shirt do Che Guevara que um dos seus amigos trouxe de Cuba e que leva por baixo da camisa.

Comentário: De certeza que esta é a estratégia que pode dar mais frutos. No entanto, exige uma certa dose de paciência. Teste-se a si próprio antes de a pôr em prática: se conseguir ouvir a discografia completa do Toy, seguida de todos os tempos de antena passados e presentes do MRPP e do POUS juntos, poderá ser um sério candidato a levar a bom termo a iniciativa...

Estratégia "CIA"

Vista o seu melhor fato preto. Leve os seus melhores óculos escuros. Se puder, arranje um cartão da DGCI em segunda mão. (não se esqueça de mudar a fotografia).
Quando lhe perguntarem o seu nome responda, na sua voz pausada e charmosa, de timbre grave, enquanto ajeita os óculos escuros: "O meu nome é Bunda... Jaime Bunda..."
Na altura em que lhe questionarem qual a sua profissão, pode retorquir: "Se eu lhe dissesse teria de o matar..."
Se estas duas deixas não funcionarem, saque do cartão do Ministério das Finanças e começe a falar em números, em déficits ou, ainda melhor, em justiça tributária...

Comentário: O efeito previsivel é que o bicho vendedor pense que está na presença de uma reencarnação da Manuela Ferreira Leite, dê uma desculpa qualquer como ir mudar a água às azeitonas e saia pela janela da casa de banho... E se a janela da casa de banho estiver localizada num nono andar, você não quer ser acusado de autoria moral de homicídio, pois não?! Quanto a dar a entender que gosta de autores de países lusófonos, há melhores maneiras, não acha? (Incluindo mascarar-se de Tieta do Agreste...)

Estratégia das perguntas indiscretas

Quando o vendedor começar o questionário, contrainterrogue-o. Pergunte-lhe, por exemplo, quantas vezes por semana vai a bares de engate... O que pensa da presença de tropas romenas no Afeganistão... Com que idade e de que maneira iniciou a sua vida sexual... Quais os seus hábitos toxicofílicos... O que pensa sobre a depenalização da interrupção voluntária da gravidez, quando realizada a pedido da mulher e nas primeiras 12 semanas de gestação... O que alvitra sobre a constituição europeia e sobre o sexo em grupo...
Quando estiver farto dele, pergunte-lhe se ele ganha à hora...

Comentário: Esta última questão pode ser interpretada como uma tentativa de engate, e se o bicho vendedor tiver instintos agressivos, é possível que saia de lá sem o fim de semana em Ranholas e com um olho à belenenses... Por isso, a menos que seja um Rambo (ou uma Ramba), não convém tentar isto... (ver abaixo)


Estratégia "Rambo do 5º esquerdo"

Peça a Uzi emprestada por uns momentos ao seu vizinho que é militar e dorme com ela debaixo da almofada.
Vista uma t-shirt sem mangas e umas calças de tropa, ponha uma fita no cabelo. (Note que a fita vermelha está um pouco demodé... O que está na moda este ano são as fitas azul fundo-do-mar com tons lilás... Errr... ok, esqueça o lilás... Pegue numa fita qualquer, desde que não tenha levado com o perfume "cavalex" de mais de cem pessoas...)
Roube o carro blindado da empresa que serve o banco lá do bairro.
Vá na viatura blindada até ao local combinado com o bicho-vendedor, e fale à maneira da série televisiva "Riscos"... "Eh pá... se não me dão já a mêrda das fêrias em ranholas eu parto já isto tudo..." Depois, faça o que os anarquistas fazem sempre que vêem uma cimeira dos G8: parta tudo o que estiver à sua frente!
Se eles não ficarem convencidos, leve um dê vê dê portatil, pegue nos dê vê dês com toda a colectânea de episódios de telenovelas da TVI, nas fotografias das férias, e mostre-lhos. Eles vão achar esta última abordagem muito mais violenta...


Comentário: Para quê tanta violência?! Já não bastam os telejornaizzz? Oh balha-me Deuz...


Comentário final

A melhor estratégia é a que combinar todas as anteriores... Não descanse enquanto não sair de lá o mais rápido possível, com o vale para as férias em Ranholas na mão...

Comentário ao comentário final (ao jeito do Gabriel Alves): Deivide Bécam, 1,85m, 2 filhos, 154 milhões de dólares de dívidas ao fisco, rrrrrrrepare... na técnica, na performance... um belo espectáculo de futebol!!!

Sem comentários: