2005/07/04

Hipocondria II

A D. Teodora é uma velhinha com cara de avózinha que tem uma hipertensão arterial e uma bicitopénia perfeitamente assintomática, conhecida e perfeitamente estudada, pela consulta de Hematologia do hospital de referência, tendo tido alta da consulta por não se justificar qualquer estudo ou terapêutica, além das normais análises "de rotina", feitas anualmente.

(Bicitopénia é uma situação em duas das linhagens de células do sangue estão com os seus níveis diminuídos. Neste caso específico, estavam afectados os glóbulos vermelhos e as plaquetas.)

No entanto, o facto de não haver sintomas nem se justificar outras medidas, não obsta a que a D. Teodora "torre" mensalmente a paciência à Drª Teresa, com as oscilações dos valores de plaquetas... (é normal que os valores oscilem numa determinada linha de base...)

Quando a Drª Teresa sugeriu que a utente iniciasse outro anti-hipertensor (enalapril) além do que já tomava a D. Teodora tomou-o durante uns dias mas depois recusou-se a fazê-lo mais, porque tinha lido no papel que acompanha os medicamentos que pode, num reduzidíssimo número de casos (tão reduzido que nenhum dos médicos com quem contactei observou esse efeito), e quando tomado em concomitância com certos medicamentos, baixar os níveis de plaquetas...

Além disso, dizia, já fazia 5 mg de Olcadil (ansiolítico). Ora, com os 6,25 mg de Carvedilol que já fazia eram 11,25 mg. Com mais 5 mg de enalapril já eram 16,25 mg!!! Isso não seriam miligramas a mais?

Nem explicando que estava a misturar alhos com bugalhos quanto aos "miligramas", e que o enalapril é perfeitamente seguro, a D. Teodora se convenceu...

Naquele dia, a senhora contou-nos que um dia, tinha tido uma ligeira indisposição, com um pequeno desmaio (que em mediquês se chama "síncope" e que não é muito grave se ocorrer de forma transitória e isolada, como tinha sido o caso)...

... E sôtora - disse a D. Teodora, dirigindo-se à médica de família, a Drª Teresa - quando desmaiei, fui ao farmacêutico da farmácia Abrantes que, não desfazendo é como se fosse meu médico, e ele mandou-me fazer análises, pelo particular, que me custaram três euros cada. Veja lá!!!

Eu e a Drª Teresa olhámos incrédulos um para o outro... Que um farmacêutico ou o ajudante da farmácia "prescrevam" medicamentos, já não é assim muito de aceitar... (Recentemente,com o surgimento dos genéricos, as farmácias fazem autênticos negócios da China...)
Agora, um farmacêutico a pedir meios complementares de diagnóstico, nunca tinha visto!!!

- Quando viu estas análises, o cardiologista particular a quem eu fui disse que eu tinha uma anemia grave, que tinha de ser investigada...

E lá estavam a hemoglobina e as plaquetas nos níveis habituais para a D. Teodora, baixos em comparação com a maior parte das pessoas...

Quando a consulta terminou, a Drª Teresa só me disse: "Eu preciso de um intervalo!..."
De facto, o dia foi bastante longo. Desde tentar fazer uma consulta com uma senhora cabo-verdiana que não falava uma palavra de português, e percebia mal e porcamente a língua de Camões, até pedir um eco-doppler a uma emigrante que ia aos Estados Unidos ver a filha, e queria a opinião de um médico americano que lhe levasse os olhos da cara e lhe dissesse o mesmo que os congéneres portugueses (porque o que é nacional, na óptica tipicamente portuguesa, é mau...), saiu-nos de tudo na rifa...

(Porque a paciência tem limites, e ninguém é de ferro...)

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