Sempre que se fala em depressão aqui em casa, ou em pessoas deprimidas, é inevitável que os representantes das gerações mais avançadas na idade se manifestem dizendo: "No meu tempo não havia nada destas coisas. As pessoas viviam todas felizes e contentes... Têm tudo o que precisam! Uns preguiçosos, uns fracos é o que eles são!!!" Se a pessoa em questão tiver umas ideias assim mais para o radical, ainda nos brinda com um "Isto é um reflexo do capitalismo, da riqueza, da ostentação." Se não for, ainda nos poderemos escapar com um "Isto é dinheiro a mais... Estão mal habituados..."
Talvez esses anciãos iluminados pessoas exagerem, talvez não... Mas o certo é que vivemos tristes e angustiados. Cada vez mais.
Talvez tenhamos mais condições materiais e geremos mais riqueza per capita do que há 100 anos. Todavia, a riqueza não se gera a partir do nada. Gera-se a partir do tempo e dedicação ao trabalho. Seria bom se pudéssemos, de repente, tal como se faz em certos jogos de computador, colocar um codigo de batota na Vida, e ganhar 200000 euros assim como quem não quer a coisa! (Há quem chame a isso Euromilhões...)
Talvez os nossos filhos (nossos, vírgula, que eu não sou pai ainda, nem acho que esteja preparado para o ser nos próximos tempos...) tenham mais brinquedos do que os seus avós, mais electrónica, mas computadores, mais playstations, mais nintendos, mais tudo, mas o certo é que, muitas vezes, têm os pais ausentes, ou pelo menos, não tão presentes como seria desejável, uma vez que há uma grande diferença entre ter um pai ou uma mãe com dedicação exclusiva ao filho ou à filha e um pai ou uma mãe que sai às seis da manhã de casa, está no banco onde trabalha até às sete da noite porque o colega do lado está até às seis e cinquenta e cinco (e se ele não estiver até às sete, depois logo se verá, quando chegar a hora de progredir na carreira, a quem é que toca... se o emprego não estiver já em risco!), chega às onze da noite a casa depois de ter apanhado três horas de fila porque dois tipos quaisquer decidiram enfeixar-se um no outro na segunda circular, de insultos, em que a mãe sai sempre mal vista, e cenas de civismo kamikaze à portuguesa no seu melhor... Que disposição é que este pai ou esta mãe tem para estar com os seus?
Mas, coitados dos pais... Talvez eles próprios se sintam deprimidos, porque não podem fazer melhor. Têm as prestações da casa, do (s) carro(s) - porque hoje o automóvel deixou de ser um objecto de luxo, ao contrário do que pensam, talvez, alguns dos nossos governantes -, de todos os electrodomésticos, das férias... Porque, à luz da visão presente, as pessoas não serão felizes nunca, nem terão qualquer estatuto social perante os outros, se não tiverem aquele carro de sonho, aquela casa naquele sítio, aquela TV de plasma, aquelas férias no Brasil (ou para quem se remediar melhor, no Algarve...) E depois, endividamo-nos até ao pescoço... E, como diz a música, "o fim do mês já cá está outra vez, e nós sempre a esticar..."
Mais: os pais devem, eles mesmos, sentir uma enorme responsabilidade, dado que têm de fazer vários papéis: pai ou mãe ideal (como já vimos), mulher (ou marido) ideal, amante ideal (Latin Lover...), empregado ideal, homem-de-carreira-qualquer-que-seja-ela ideal, colega ideal, amigo ideal, o corpo ideal... Querem que eu continue?! Para isso tudo, é necessário tempo. E as pessoas deixaram de ter tempo umas para as outras. (Contra mim falo...) Fazemos tudo a correr, e tendo em conta esses condicionalismos todos...
Vivemos numa sociedade que nos dá cada vez maiores condições físicas de vida, mas que é cada vez mais exigente...
Daí que haja muito boa gente que pura e simplesmente não aguente, e viva cada vez mais deprimida... Mais triste... Mais angustiada... É que, tal como nos demais, falta nessas pessoas, em maior ou menor escala, uma ou mais partes importantes da vida.
Não sei se estou bem ou se estou mal... no que toca a depressão. Há quem diga que estou com Saturno na casa 10, há quem diga que é preguiça, há quem diga que não estou bem... Eu, pura e simplesmente, não sei... porque neste segundo em que estou a escrever, não quero pensar nisso.
No entanto, garanto-vos que um dos meus maiores terrores é ter a sensação de que a Vida me está a passar ao lado. E isso sinto-o muitas vezes. O problema é que não faço nada para obviar essa situação...
Este post é dedicado:
- A todos aqueles que, embora considerados como "fracos" pelos outros, são suficientemente fortes para viver mais um dia... apesar de si próprios... apesar de tudo.
- A todos os que aturaram e/ou aturam as recusas ou maus feitios de alguém que tenta infrutiferamente "ser ideal"... e não dá conta nem do saco nem do atilho, e continuam a "puxar essa pessoa, apesar de tudo, para o Mundo... Ou seja, aos meus amigos - as pessoas que me deram o privilégio da sua companhia, e das quais eu tenho estado tão afastado...
Curiosidade: A classe médica é a classe profissional que tem maior incidência de depressão na sociedade. Dentro destes, estão à cabeça os anestesistas e (pasme-se) os psiquiatras. Há uns anos, para prevenir essas situações no futuro (porque a prevenção se deve fazer desde cedo), a associação de estudantes da casa onde me formei tentou instalar, com o apoio do serviço de saúde mental, um gabinete de apoio psicológico ao estudante de medicina. A resposta de Sua Eminência, o Director da Faculdade, não se fez esperar: "Medicina não é um curso para fracos..." E esta, hein?
PS: É muito fácil fazer o que eu fiz, que é pôr a culpa da depressão na sociedade, tal como o fazemos em relação à toxicodependência, ao alcoolismo, à criminalidade... Mas esquecemo-nos que a sociedade somos nós... Certo?
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